sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

CRÔNICA DE UM MUNDO EM TRANSE - 2ª PARTE

O BRASIL, EM MEIO À CRISE ECONÔMICA MUNDIAL

Vimos na primeira parte desse artigo, como a crise econômica tem afetado os países centrais da economia capitalista, como conseqüência dos fracassos causados por um sistema financeiro que atingiu seu limite especulativo e ganancioso. Mas, na contramão dessa situação, países cujas economias emergiram na última década se deparam com situações diferentes, e atingem níveis satisfatórios de crescimento.

Vamos analisar a situação do Brasil, ela está equilibrada do ponto de vista econômico. Nos últimos anos, por questões relacionadas a programas sociais, bolsa família, e até mesmo pelo aumento do salário mínimo (cujo salto foi de uma média de 56 dólares no último ano do governo FHC, para 345 dólares atualmente, e,pasmem, a economia não quebrou, como se atemorizava na época), uma série de ações do Estado, de incentivo que tem sido concedido objetivando transferir rendas, elevou algumas pessoas das camadas sociais mais de baixo e as inseriu acima da linha da pobreza, com capacidade de consumo.


Podemos identificar algumas medidas interessantes, pouco analisadas pela mídia. Por exemplo, desde o governo Lula, esses programas sociais tiveram atenção especial. Como medidas principais foram aglutinados todos os programas que existiam anteriormente em um só, que é o bolsa família, mas ele trouxe junto a obrigatoriedade de quem tem filho mantê-lo na escola, sob pena de ser descadastrado do programa. E, ao invés de se oferecer cestas básicas, como se fazia antes, o pagamento é feito em dinheiro e o consumo passa a ser realizado ali mesmo, no comércio do lugar. Aquece a economia local, e amplia a perspectiva de novos negócios surgirem.

A partir dessas mudanças nessas pequenas economias, empresas do eixo sul-sudeste começaram a se deslocarem para o interior do país. E claro, na medida em que essas empresas se instalam em um município gera empregos, e com o conseqüente aumento do consumo das pessoas, torna-se necessário produzir cada vez mais. Esse círculo, chamado “círculo virtuoso” na economia, interno, é um fator diferencial aqui no Brasil. Não somente aqui no Brasil, mas também na China, que tem um potencial de crescimento interno enorme. E o que a gente sabe é que a crise na política decorre da crise nas condições econômicas da população. Então, se há uma situação equilibrada economicamente, dificilmente se tem uma crise política com repercussão que vá afetar socialmente. É o fato de essas manifestações que ocorrem também aqui no Brasil, marcha de indignado disso, indignado daquilo, não se reproduzem, não atraem multidões, não surte o efeito desejado, como ocorre no Oriente Médio, na Europa e nos Estados Unidos. Limita-se a um número muito restrito de jovens da classe média, ou de estudantes, ainda tentando encontrar novas bandeiras diante das dificuldades de mobilização.

Façamos uma comparação com a situação da Espanha, na Europa, onde aconteceu muito isso. O movimento dos indignados europeus começou pela Espanha, nos chamados países desenvolvidos, mas lá, cerca de 40% da juventude está desempregada, e mais de 20% do total da população não consegue emprego. Aqui no Brasil, chegou-se ao nível mais baixo na história da pesquisa que o IBGE faz para medir o índice de desemprego. Os dados apresentados pelo IBGE em novembro indicam taxa menor que 5% em algumas localidades, como Porto Alegre e Belo Horizonte. O maior índice apontado foi em Salvador, com 9%. Na média nacional o percentual foi de 5,8%, um dos menores índices de desemprego da história do país. Isso num momento em que se acentua a crise econômica na Europa e nos EUA.

Mesmo que nos últimos meses de 2011, por conta de uma política conservadora adotada pelo Banco Central, receoso de uma disparada inflacionária, esses índices tenham estacionados, contudo isso a situação do Brasil é bem melhor do que os países europeus e os Estados Unidos. Claro que são países que tem PIBs bem maiores do que o nosso, mas as condições econômicas do momento nos são muito mais satisfatórias. Tanto isso é verdade que as agências de classificação de riscos de investimentos financeiros rebaixam as notas dos países europeus, e de seus bancos, enquanto as do Brasil são aumentadas. E no mês de dezembro, uma notícia confirmou essa situação.

A CEBR, uma empresa de consultoria britânica, anunciou, após estudos feitos sobre os Produtos Internos Brutos de vários países, que o Brasil havia superado a Grã-Bretanha, tornando-se a sexta maior economia do mundo, ficando atrás somente dos Estados Unidos, China, Japão, Alemanha e França. Na segunda semana de fevereiro, com o agravamento da crise, o FMI cogitou a idéia, muito mais uma necessidade, de ter que recorrer aos países do BRIC, entre os quais o Brasil, em busca de dinheiro que possam ser emprestados a países europeus endividados.

Essa estabilidade que atravessamos afeta os movimentos sociais faz mudar o perfil das lutas, e das reivindicações. São outros tipos de reclamações, o que se vê nesse momento é a população lutando por melhoria nos atendimentos públicos, há, portanto um diferencial na maneira como são feitas as reivindicações. Já não são mais contra um governo, por não garantir condições sociais dignas para a sociedade. São reclamações porque ele não investe adequadamente em determinada área e as pessoas querem melhorias, por exemplo, na saúde, na educação. Por isso todas essas confusões que acontecem, denúncias de corrupção, substituição de ministros acusados de malversação dos recursos públicos (às vezes injustamente), a demonização da política e a maneira como a mídia trata a relação com o governo ideologicamente, termina por não afetar a popularidade da presidenta, que mantém níveis recordes de aceitação, segundo as últimas pesquisas.

Isso faz, inclusive, com que o tratamento que o governo dá aos movimentos sociais seja mais inflexível. A presidenta se sente muito segura, pois tem uma base parlamentar muito forte, tem o controle da economia e da inflação, então isso dá condições para agir de forma mais dura, menos maleável em relação a algumas reivindicações, notadamente dos servidores públicos, que estão sob ameaças de não ter nem um por cento de aumento nesse ano de 2012, segundo o relator do orçamento. A não ser que a presidenta use desse poder que a DRU (Desvinculação de Receita da União) lhe possibilita, de manusear a receita da União livremente em até 20%. Caso contrário será um ano de muitas dificuldades para os servidores públicos. O que pode significar muitos transtornos porque a ocorrência de greves será inevitável. E dependendo da situação de equilíbrio do governo – como acontece até aqui – será uma queda de braço, com este mantendo a inflexibilidade e se recusando a atender as reivindicações. Se fossem outras as circunstâncias, provavelmente o governo cedesse mais, caso tivesse fragilizado. Isso faz parte da política.

BRASIL – IMPERIALISMO, SUB-IMPERIALISMO...

O Brasil é um país de vasta extensão territorial, ocupa a maior parte da América do Sul, possui uma biodiversidade muito grande, a maior do planeta, muita riqueza, cada vez se descobre mais um potencial petrolífero enorme, riquezas minerais em larga escala, minérios pouco explorados mas de farta utilidade em produtos tecnológicos que ganham o mercado, que estão contidos nas “terras raras” e que têm sido muito explorados pela China, além de possuirmos o maior potencial hídrico do mundo. Então, o Brasil tem uma capacidade enorme, em todas as áreas que fazem de um país uma grande potência.

No século XIX um dos geógrafos clássicos, que foi fundamental no surgimento da Geopolítica, Friedrich Ratzel, falava com toda clareza e convicção, e comprovado desde então até os dias de hoje, que um país precisa ter uma grande dimensão territorial, e muita riqueza em seu subsolo, isso é que o faz se tornar uma grande potência. Ele tem que conservar e cuidar de suas fronteiras em função disso, e se não tiver essas riquezas ele tem que expandir suas fronteiras para ter o controle de tudo isso.
O Brasil não precisa expandir suas fronteiras para ter essas riquezas, pois ele já possui tudo isso em seu território. Então, comparado com os demais países da América Latina, pelo tamanho, pela população, por essas riquezas todas, naturalmente ele se impõe. Agora, por isso, e pelo auto-crescimento econômico, com a estabilidade que o país tem estabelecido nos últimos dez anos, isso faz do Brasil um país imperialista? Absolutamente, não. O imperialismo tem outras características. Ele se caracteriza pela exportação de capitais que passam a controlar as economias dos outros países. Capitais aqui não quer dizer somente dinheiro, mas grandes empresas, grandes corporações, que agem no sentido de ter o controle econômico e político de outro país. Esse não é o comportamento do Brasil. O nosso país tem estabelecido parcerias importantes com os demais países da América Latina como um todo, e não só com os países do cone sul.

Por exemplo, está em andamento um projeto de integração, que é polêmico pelas ações que ele desenvolve, que é o IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sulamericana), que tem por objetivo abrir saídas, tanto para o Brasil, quanto os demais países envolvidos, como o Peru, Bolívia, Chile, Paraguai, Uruguai, parte da Argentina, e visa abrir um corredor de exportação em direção ao Oriente, à China, através do Oceano Pacífico. Então é um projeto de integração, e o Brasil é o principal responsável, porque ele tem o maior banco da América Latina criado para investir no desenvolvimento regional, e que financia o projeto, que é o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

Recentemente houve um conflito na Bolívia, com a construção de uma estrada. O problema não era a estrada em si, mas porque pelo projeto ela cortaria ao meio terras indígenas e afetaria as populações tradicionais daquele país. E isso mexe com alguns valores culturais dessa população, então aconteceu uma rebelião muito grande, e que não foi muito bem tratada. Houve uma repressão muito violenta e desnecessária. Tanto é que Evo Morales terminou depois aceitando uma alteração no percurso da rodovia. Fica mais caro, a distância é mais longa, mas se evita um sério problema. Isso não foi feito antecipadamente então gerou todo um conflito, manifestações, confrontos violentos com tropas militares, e de certa maneira desgastou o governo. E essa estrada está inserida no projeto IIRSA, e é apenas um sub-projeto, que atinge a parte de baixo da Bolívia, que atinge o Peru, mas tem outros também na parte de cima que abrange a Amazônia, o Acre, Rondônia, ou seja, abrange toda aquela enorme região.

O IIRSA é um projeto antigo, que já vem do governo Fernando Henrique, mas ele teve sua consolidação mesmo foi no governo Lula, vai de vento em popa, e significa um crescimento importantíssimo para uma região que esteve por muito tempo abandonada. E é exatamente por isso que ouvimos uma série de  gritarias de ONGs estrangeiras, mas que na verdade, por trás existe todo um interesse geopolítico, de não querer que haja esse desenvolvimento naquela região. A preocupação não é ambiental, mas somente o discurso, com raríssimas exceções. Em essência, os interesses são outros, e as reações só não estão vindo com mais força atendendo-se  a influência desses países de onde se originam essas ONGS, principalmente da América do Norte, porque os EUA estão preocupados com o Norte da África e com o Oriente Médio. Senão já teriam transferidos suas principais atenções para cá. E esse será um ponto de conflito futuramente. O próprio Bill Clinton esteve proferindo palestras em Manaus e criticou os projetos de desenvolvimento do Brasil para aquela região, mais especificamente a construção da Usina de Belo Monte. Justo ele que, quando presidente dos EUA, se recusou a assinar o Protocolo de Quioto, sob o argumento que prejudicava os interesses econômicos dos Estados Unidos. Vejam só, uma mescla de ironia e hipocrisia.

Mas, contudo isso, não significa – e já ouvimos falar a esse respeito, inclusive em palestras que ocorreram aqui em Goiânia, durante a SBPC – que o Brasil estaria se tornando um país imperialista, ou sub-imperialista. Até esse termo já inventaram. Mas isso é diferente, o que se faz, através do BNDES, é abrir uma linha de financiamento para ajudar o desenvolvimento desses outros países. Mas isso não o torna imperialista, porque não há exigência de se querer em troca o controle político ou econômico de nenhum país. Há todo um respeito pela soberania desses países e os acordos e projetos elaborados em parceria em nenhum momento deixam dúvidas quanto a isso. E o interesse é comum, pois é objetivo do Estado brasileiro reverter uma situação de abandono de uma região esquecida política e economicamente, mas de uma enorme importância estratégica geopolítica, no sentido de abrir um corredor de exportações, principalmente para Ásia, ligando o centro-norte do Brasil com o Oceano Pacífico.

É certo que existem ações da Petrobrás, que é, sim, uma grande empresa que age e atua, não só na America, mas na África, no Oriente Médio, e inclusive nos Estados Unidos. A Petrobrás é hoje a grande empresa brasileira que tem forte atividade nesses lugares e, principalmente, na América Latina. E claro, com o forte crescimento da economia, estão surgindo outras grandes empresas brasileiras, não estatais. Aqui, inclusive no Estado de Goiás, existe uma grande corporação com braço internacional, grande exportadora, que é a Friboi, a JBS, que já adquiriu e se fundiu com varias outras empresas em diversos países, como a Swift, a Anglo e a Bordon, só para ficar com as marcas mais conhecidas internacionalmente. Destaca-se também a EBX, grupo do milionário Eike Batista, que atua nas áreas de petróleo, minérios, energia e logística. São apenas exemplos dos poderes corporativos que a economia brasileira está gerando, mesmo com um crescimento regular, ainda longe dos patamares da China.

É claro que essas corporações atuam em vários países, e cabe a esses, se sentirem afetados adotarem uma política de controle. E cada país deveria fazer isso, não cabe ao Brasil exercer um controle sobre suas empresas de forma a impedi-las de atuar livremente nos outros mercados. Isso não quer dizer que essas corporações controlam o governo brasileiro e este estaria agindo para beneficiá-las. Não é essa a política que está sendo desenvolvida, muito embora o BNDES abra linhas de financiamento também para elas, mas isso é da sua natureza, desde que foi criado.

Mas a política externa brasileira, ao contrário, tem sido de fortalecer os laços de integração. O Mercosul, por exemplo, se consolidou a partir exatamente  das ações da política externa brasileira. Então, o que o Brasil tem feito é ampliar o seu protagonismo, e isso não somente na América, mas também na África. Haja vista a maneira como o povo africano recebe os brasileiros, o governo brasileiro, o ex-presidente Lula, a presidenta Dilma Rouseff, a seleção brasileira. Há uma relação de afetividade muito forte que em parte é resultado desse protagonismo que o Brasil criou a partir do governo Lula, de estar permanentemente defendendo os interesses brasileiros, mas também de fortalecer os países dessas regiões e fortalecer parcerias políticas e econômicas. Oferecendo condições, que o nosso país hoje pode garantir, de investimentos nesses países. Mas isso está muito longe de ser caracterizado como uma ação imperialista.
Continua...

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